As evidências tem apontado como práticas de ensino devem ser colocadas no dia a dia na sala de aula. Compreender como o cérebro aprende a ler e escrever é crucial para planejar estratégias pedagógicas eficazes. A leitura não é uma habilidade natural para o ser humano, é um processo aprendido que envolve a reorganização de áreas cerebrais (DEHAENE, 2012).
Neste artigo, exploraremos as principais evidências científicas sobre alfabetização e como elas podem guiar práticas pedagógicas.
1. Por que as Evidências Científicas São Importantes na Alfabetização?
O uso de evidências científicas permite que professores baseiem suas práticas em estratégias comprovadamente eficazes, em vez de confiar em achismos ou abordagens intuitivas. Estudos mostram que intervenções baseadas na ciência podem:
- Melhorar a aquisição de habilidades necessárias para leitura e escrita.
- Reduzir os índices de crianças com dificuldade de aprendizado.
- Melhorar a confiança das crianças em suas habilidades acadêmicas.
O saber científico, ao ser estruturado e sistematizado, procura a precisão e as evidências. Fundamentada em dados e investigações, e não em opiniões, a ciência é essencial para nos oferecer suporte, a prática científica é primordial para estabelecer propostas de educação eficientes, hábil para favorecer a prática do professor e proporcionar a aprendizagem dos discentes e ter êxito nos índices educacionais. (ALMEIDA e BRITES, 2021).
Os anos 90 foi considerado a “década do cérebro”, durante este período, houve grandes avanços em tecnologias como a ressonância magnética funcional, que permitiram estudar o cérebro em ação e entender como diferentes regiões estão envolvidas em processos como memória, linguagem e aprendizagem.
A área da ciência voltada para a aprendizagem é a Ciência Cognitiva da Leitura, que é o campo de estudo que contribui significativamente para a alfabetização, pois agrega diferentes disciplinas como a Neurociência, Pedagogia, Psicologia, Fonoaudiologia, entre outros. Esses estudos são baseados em resultados com respaldos científicos para que os programas de alfabetização alcancem os melhores resultados.
Os países que progrediram na alfabetização nos últimos anos basearam suas políticas públicas nas atuais evidências das ciências cognitivas da leitura, que é a área do conhecimento que mostra o que é necessário para a aprendizagem da leitura e escrita e a maneira mais eficaz para ensiná-los (BRASIL, 2019).
Em breve, farei um artigo com os dados da alfabetização pelo mundo e como os países que aderiram às evidências científicas demonstram os melhores resultados, estando no ranking das principais pesquisas.
A alfabetização baseada em evidências, trata-se daquela que utiliza métodos e ferramentas cujos resultados foram avaliados e demonstram ser eficazes (BRASIL, 2019), ou seja, precisamos de estratégias que guiem com segurança o processo de alfabetização, é necessário ter procedimentos consolidados e não mais em achismos ou ser guiados pelo senso comum.
Como toda casa necessita de pilares para se sustentar, a alfabetização necessita fundamentar-se em abordagens e métodos que asseguram eficácia e produzam bons resultados, proporcionando aos professores e pais segurança para ensinar (ALMEIDA E BRITES, 2021).
2. Senso Comum x Evidências Científicas
Senso comum é o conhecimento baseado em crenças, experiências cotidianas e tradições, transmitido de geração em geração. Ele não depende de métodos rigorosos de investigação e frequentemente reflete interpretações subjetivas.
Características:
- Base empírica e intuitiva: surge da observação direta ou de experiências pessoais.
- Influência cultural: é moldado por costumes, valores e crenças de uma comunidade.
- Generalizações rápidas: muitas vezes, aplica-se uma experiência individual a um grupo ou situação maior.
- Falta de verificação sistemática: não passa por testes rigorosos para comprovar sua validade.
Exemplo: “Tomar chá de limão com mel cura resfriado.” Embora isso possa aliviar os sintomas, não há garantia científica de que cura o resfriado.
Evidências científicas derivam de estudos e experimentos conduzidos de forma sistemática, baseados em métodos científicos. Elas são testadas, revisadas e verificadas por especialistas.
Características:
- Método rigoroso: baseia-se no método científico, que inclui observação, hipótese, experimentação, análise e conclusão.
- Reprodutibilidade: os resultados podem ser repetidos por outros pesquisadores em condições similares.
- Avaliação crítica: passa por revisão por pares antes de ser amplamente aceita.
- Evolução constante: pode ser atualizada ou corrigida com novos dados.
Exemplo: “o resfriado comum é causado principalmente pelo rinovírus, e o repouso aliado à hidratação ajuda na recuperação.” Essa afirmação é baseada em estudos clínicos sobre o comportamento dos vírus e os efeitos no corpo humano.
3. Principais Mitos das Educação Baseada em Evidências

- A Educação Baseada em Evidências é puramente científica e ignora o contexto cultural e social
Mito: diversos educadores afirmam que a EBE não considera a diversidade de contextos culturais, sociais e econômicos.
Realidade: práticas baseadas em evidências precisam ser contextualizadas. A interpretação de dados deve levar em conta as características únicas de cada ambiente escolar. Ao realizar o planejamento pedagógico o professor deve considerar o contexto da realidade dos alunos.
Vale ressaltar que a educação científica possui um caráter humanista, uma vez que busca o bem-estar, o crescimento e a dignidade dos envolvidos nesse processo educativo, colaborando assim na construção de suas identidades e subjetividades (ALMEIDA e BRITES, 2021)
- A EBE elimina a criatividade e a inovação na educação
Mito: a aplicação de práticas baseadas em evidências é vista como rígida e contrária à experimentação e inovação.
Realidade: a EBE não visa que os alunos sejam “cobaias” de experimentos científicos. Essa abordagem busca a reflexão e aponta caminhos eficazes no processo de alfabetização. Não busca uma visão “mecânica e simplista”, ao invés disso, tende abranger a dinâmica do desenvolvimento acadêmico.
2. Os Fundamentos da Alfabetização Baseada em Evidências
Um dos maiores estudos já realizados foi o do National Reading Panel (NRP), uma iniciativa lançada pelo Congresso dos Estados Unidos em 1997, que revisou aproximadamente 100 mil estudos, com o objetivo de reunir especialistas para revisar essas pesquisas científicas sobre o ensino da leitura. O painel foi composto por diferentes profissionais da educação, e sua principal tarefa era identificar as melhores práticas e abordagens baseadas em evidências para o ensino da leitura nas escolas.
A importância do National Reading Panel está em seu impacto no desenvolvimento de políticas educacionais e na prática pedagógica. O relatório final, publicado em 2000, trouxe importantes descobertas sobre como as crianças aprendem a ler e quais abordagens são mais eficazes para o ensino da leitura.
Entre suas conclusões, estão 2 pontos determinantes para a alfabetização, são eles:

2.1 Instrução explícita: é uma forma de ensino estruturado e direto, com foco na apresentação clara e sistemática das habilidades de leitura, principalmente nas relações entre letras (grafemas) e sons (fonemas). A abordagem visa garantir que os alunos compreendam de forma precisa o que estão aprendendo, com o professor fornecendo explicações claras, orientações e feedback durante o processo de aprendizagem.
O NRP destaca que, para ser eficaz, a instrução explícita deve incluir:
- Objetivos claros: o que os alunos precisam aprender é apresentado de maneira clara e compreensível.
- Demonstração direta: o professor demonstra a habilidade ou conceito que está sendo ensinado.
- Prática guiada: os alunos praticam a habilidade com o apoio do professor, que oferece feedback contínuo.
- Prática independente: após a prática guiada, os alunos têm a oportunidade de praticar de forma independente, permitindo a internalização da habilidade.
- Feedback constante: o professor dá feedback específico para corrigir erros e reforçar a aprendizagem correta.
2.2 Consciência Fonêmica
A consciência fonêmica é a capacidade de reconhecer e manipular os sons (ou fonemas) individuais nas palavras faladas. A NRP considera a consciência fonêmica um componente crucial para o desenvolvimento da leitura e escrita.
A consciência fonêmica pertence a um subgrupo da consciência fonológica, que é a habilidade mais ampla de identificar e trabalhar com os sons da fala. A consciência fonêmica foca nos fonemas — os menores sons da linguagem falada. Essa habilidade é imprescindível e precisa ser estimulada desde a pré-escola. Verifique o artigo sobre Pré-alfabetização, clique aqui.
A pesquisa do NRP destaca que a habilidade de identificar, segmentar, combinar e manipular fonemas em palavras é uma habilidade essencial para o aprendizado da leitura. A consciência fonêmica permite que as crianças reconheçam a correspondência entre os sons da fala e as letras, facilitando a decodificação (a capacidade de transformar palavras escritas em sons).
Alguns dos tipos de habilidades fonêmicas, incluem:
- Segmentação fonêmica: identificar e isolar os fonemas em palavras, por exemplo, separar a palavra “gato” em /g/, /a/, /t/, /o/.
- Substituição fonêmica: alterar um fonema de uma palavra para formar outra, como trocar o /m/ por /s/ em “mala” para formar “sala”.
- Adição e exclusão fonêmica: adicionar ou remover fonemas de uma palavra, como adicionar o som /b/ para formar “bala” a partir de “ala”.
A NRP conclui que o desenvolvimento da consciência fonêmica é vital para que as crianças aprendam a ler com fluência e compreensão. Programas de ensino que ajudam as crianças a desenvolver essa habilidade têm sido comprovados como mais eficazes no ensino da leitura.
Conclusão
Ao aplicar práticas pedagógicas eficazes e se manter atualizado com as pesquisas, o professor não apenas ensina as crianças a ler e a escrever, mas também transforma vidas.
É imprescindível que atuemos com segurança, sabendo o caminho que nossos filhos e alunos irão trilhar no processo de alfabetização, e são nas evidências científicas que temos a indicação do melhor percurso. Quando atuamos com base sólida a aprendizagem acontece de maneira eficaz e o status de autoridade nos é dado como profissionais da educação. O alfabetizador precisa ser proficiente na aprendizagem, e é a ciência que nos aponta o que existe de mais eficiente.
A lacuna existente entre o conhecimento científico e as práticas em sala de aula precisam ser extinguidos, e que comece a por nós!
Lembre-se: a alfabetização é o primeiro passo para a formação de cidadãos críticos e engajados.
Indicação para Leitura: Painel Nacional de Leitura: tradução para o português do NRP. Clique aqui!
***Esse artigo foi escrito com muito carinho! São dedicadas horas e horas para que informações consistentes sejam levadas até você! O propósito é refletir sobre sua prática pedagógica e transformar a vida daqueles que mais precisam: nossos alunos! Volte mais vezes, com carinho, Ariane Jaques!***
Referências
ALMEIDA, Roselaine Pontes. BRITES, Luciana. Educação Baseada em Evidências: o que todo professor precisa saber.Londrina: Neurosaber, 2021.
BRASIL, PNA: política nacional de alfabetização. Brasília: MEC, 2019.
DEHAENE, Stanislas. Os neurônios da leitura: como a ciência explica a nossa capacidade de ler. Porto Alegre. Penso. 2012.
NATIONAL READING PANEL. Teaching children to read: na evidence based assessment of the scientific research literature on Reading and its implications for Reading instruction. Rockville: NIH Publication, 2000.