A alfabetização infantil é um dos primeiros e mais importantes passos no desenvolvimento educacional de uma criança. Entre os diversos métodos utilizados, o método fônico se destaca como uma das abordagens mais eficazes para o ensino de leitura e escrita (DEHAENE, 2012). Porém, uma dúvida comum entre educadores, pais e especialistas é: existe uma ordem certa para ensinar os sons das letras? Neste artigo, exploraremos o método fônico, a importância da ordem dos sons das letras e como isso impacta o processo de alfabetização.
O Que é o Método Fônico?
O método fônico é uma abordagem que ensina a leitura e a escrita por meio da associação dos sons das letras com os símbolos gráficos que as representam e estimula habilidades metafonológicas (SEABRA e DIAS, 2011). É uma maneira de ensino respaldada pela Ciência Cognitiva da Leitura e recomendada por diversos especialistas ao redor do mundo (DEHAENE, 2012; BRASIL, 2019; NATIONAL READING PANEL, 2000).
Isso significa que a criança primeiro aprende a manipular a língua falada por meio das habilidades de consciência fonológica, como a consciência fonêmica (conseguir manipular os sons das letras), e compreender o princípio alfabético (som, forma e nome das letras). Ela é estimulada a identificar os sons das letras e, posteriormente, a combiná-los para formar palavras. Esse método baseia-se no princípio de que a leitura é uma habilidade que depende da decodificação dos sons para formar palavras corretamente, considerando que nosso sistema de escrita é alfabético.
O método fônico é altamente eficaz, especialmente para crianças pequenas, porque trabalha diretamente com os aspectos fonológicos da língua. Dessa forma, as crianças desenvolvem a capacidade de ouvir, identificar e manipular os sons da fala, competências essenciais para uma leitura e escrita bem-sucedidas.
A Importância da Fonética e Fonologia no Ensino dos sons das letras
Essa área é amplamente estudada pelos fonoaudiólogos, esses profissionais utilizam o conhecimento fonético e fonológico para identificar e tratar distúrbios da fala e linguagem.
Morais (2013) cita que professores precisam ter conhecimentos sobre a fonética e fonologia para ensinar seus alunos de maneira mais eficaz, principalmente o princípio alfabético e a manipulação dos sons das letras.
A fonética aborda questões mais amplas relacionadas à produção dos sons da fala (SEARA et al., 2011). A fonética articulatória é uma área importante e é necessário que tenhamos, como alfabetizadores, breve noção do que se trata, para Seara et al. (2011) a fonética articulatória é caracterizada como a análise dos sons da linguagem sob a ótica de suas propriedades fisiológicas e articulatórias. Para compreender como esses sons são articulados, é essencial primeiramente entender os diversos órgãos que atuam na produção dos sons nas línguas naturais, ou seja, o sistema fonador humano.
O conhecimento sobre o aparelho fonador é importante para o ensino dos sons das letras, especialmente no processo de alfabetização infantil. O aparelho fonador compreende estruturas como lábios, língua, dentes, palato, cordas vocais e pulmões (veja as figuras abaixo), que trabalham juntas para produzir os diferentes sons da fala. Entender o funcionamento dessas estruturas ajuda o educador a identificar e corrigir dificuldades na pronúncia e na articulação dos fonemas.
Seguem duas figuras que abrangem o aparelho fonador (conjunto de órgãos necessários para a fala):


Fonte: SEARA et al., 2011, p. 18 e 19.
Para mais informações acesso o documento completo, clique aqui
A Fonologia pode ser entendida como a estruturação da fala, com foco em línguas específicas (SEARA et al., 2011).
A língua portuguesa possui uma vasta gama de sons (fonemas) que estão representados por letras ou grupos de letras. Esses sons podem ser agrupados de diferentes maneiras, dependendo das características fonológicas. A ordem de ensino dos sons das letras, portanto, deve respeitar a progressão natural da criança ao aprender a língua.
Atente-se a esses quadros:


Essas tabelas estão no site do Conselho Regional de Fonoaudiologia, clique aqui para baixar em pdf!
Sons das Letras – Consoantes: Pontos de Articulação e Modos de Articulação
CONSOANTES: sons produzidos com obstrução da passagem da corrente de ar.
As consoantes podem ser caracterizadas pelo:
- PONTO DE ARTICULAÇÃO: refere-se ao local na cavidade oral onde ocorre o bloqueio ou a restrição do fluxo de ar durante a produção de uma consoante. Os principais pontos de articulação são:
Bilabial
Ocorre quando os dois lábios se tocam.
Exemplo: /p/, /b/, /m/ (como em pato, bola, mala).
Labiodental
O lábio inferior toca os dentes superiores.
Exemplo: /f/, /v/ (como em faca, vaca).
Dental
A língua toca os dentes superiores.
Exemplo: /t/ e /d/
Alveolar
A ponta ou a lâmina da língua toca os alvéolos, a região logo atrás dos dentes superiores.
Exemplo: /t/, /d/, /s/, /z/, /l/, /n/ sons do /r/
Palatal
A língua toca ou se aproxima do palato duro (céu da boca).
Exemplo: /lh/, /nh/
Alveopalatal
Língua toca a região do palato (o céu da boca) próxima aos alvéolos (a área logo atrás dos dentes superiores)
Exemplo: /t/ (tia), /d/ (dia), /ch/ (chá, acha)
Velar
A parte de trás da língua toca o véu palatino (ou palato mole).
Exemplo: /k/, /g/, (como em casa, gato).
Glotal
O som é produzido pela passagem de ar pela glote, sem bloqueio completo.
Exemplo: /r/ (como em rapaz e carga).
Existe uma tabela fonética que é uma representação gráfica dos sons da fala, organizada para mostrar as correspondências entre os símbolos fonéticos e os sons que eles representam. Ela é usada para ensinar e compreender a fonologia de uma língua, ou seja, os sons que formam as palavras. Segue a tabela:

- MODO DE ARTICULAÇÃO: como e em qual grau ocorre a passagem de ar quando os articuladores se encontram. Podem ser:
Oclusiva
O fluxo de ar é completamente bloqueado em algum ponto do trato vocal e depois liberado repentinamente.
Letras: /p/, /b/, /t/, /d/, /k/, /g/
Nasal
O fluxo de ar passa pelo nariz porque o véu palatino está abaixado, permitindo a saída do ar pela cavidade nasal.
Letras: m/n
Africada
Combina características das oclusivas e das fricativas: o ar é primeiro bloqueado completamente e, em seguida, liberado com fricção.
Letras t/d (como em tchau, dia em algumas pronúncias).
Fricativa
O fluxo de ar é parcialmente obstruído, criando uma passagem estreita por onde o ar passa com fricção.
Exemplo: /f/, /v/, /s/, /z/, /ch/, /j/ (como em faca, sopa, joia).
Vibrante
Envolve vibrações rápidas de uma parte do trato vocal:
Simples: Uma vibração única da língua.
Exemplo: /ɾ/ (como em caro).
Múltipla: Várias vibrações rápidas da língua.
Exemplo: /r/ (como em carro).
Lateral
O ar passa pelas laterais da língua enquanto o centro da língua toca o ponto de articulação.
- Exemplo: /l/ (como em lago).
Método Fônico: Modelos de Ordem para o Ensino dos Sons das Letras
A ordem do ensino dos sons das letras será baseada em Seabra e Capovilla (2021) na obra Alfabetização: Método Fônico.
Vogais: primeiro iniciamos o ensino dos sons pelas vogais, onde os SONS PRODUZIDOS SEM OBSTRUÇÃO DA PASSAGEM DA CORRENTE DE AR. As vogais têm sons mais claros e simples de articular em comparação com outras letras. Isso facilita a percepção e a reprodução por crianças em fase inicial de aprendizagem. Lembre-se no ensino explicito e sistemático partimos do que é mais fácil para o mais complexo.
Consoantes na seguinte ordem: F, J, M, N, V, Z, L, S, R, X, B, C, P, D, T, G, Q, H, K, W e Y.
Essa ordem serve de parâmetro, sempre do mais simples para o mais complexo, mas é possível inverter a ordem de algumas letras, mas sempre respeitando o grau de dificuldade.
Quando Devo Encaminhar uma Criança ao Fonoaudiólogo? Os Sinais de Alerta
O encaminhamento de uma criança para o fonoaudiólogo pode ser necessário quando há indícios de dificuldades no desenvolvimento da fala, linguagem ou outros aspectos comunicativos. Alguns sinais que evidenciam a necessidade de consulta com um profissional são:
Atraso na fala e linguagem: se a criança não acompanha o desenvolvimento esperado (como no quadro acima), pode ser sinal de atraso.
Problemas de compreensão: crianças que não conseguem entender ou seguir instruções simples para a idade, podem apresentar um problema de compreensão linguística, o que justifica o encaminhamento.
Dificuldade em formar frases: se, com aproximadamente 3 anos, ainda utiliza palavras isoladas ou tem dificuldade em formar frases completas, pode ser indicar um problema no desenvolvimento da linguagem.
Troca de sons: se a criança tem dificuldades em distinguir ou produzir sons de forma correta, como confundir as os sons das letras “p” com “b” ou “s” com “sh”, um fonoaudiólogo pode ajudar a identificar a causa e intervir.
Gagueira: a gagueira pode ser um sintoma comum em crianças pequenas, mas se for persistente ou se agravar, é importante buscar a avaliação de um fonoaudiólogo. A gagueira é caracterizada por interrupções involuntárias que afetam a comunicação verbal. Essas interrupções incluem repetições de sons, sílabas ou palavras, prolongamentos de sons e bloqueios (pausas na fala onde o som não é produzido).
Dificuldades auditivas: problemas de audição também podem afetar o desenvolvimento da fala e da linguagem. Caso haja suspeita de que a criança tenha problemas auditivos, é fundamental uma avaliação fonoaudiológica para investigar as possíveis causas.
O fonoaudiólogo pode avaliar o desenvolvimento da criança, identificar qualquer dificuldade e propor terapias adequadas para melhorar suas habilidades comunicativas. A detecção precoce de problemas de fala e linguagem é essencial para promover o desenvolvimento saudável e evitar dificuldades em áreas como aprendizagem e socialização.
Recado para os pais: caso o professor sugira que seu filho seja levado ao fonoaudiólogo, entenda isso como uma forma de cuidado. Nós, professores, possuímos uma sólida base sobre os marcos do desenvolvimento, adquirida por meio de experiência teórica e prática.
Conclusão
A fonética e a fonologia são essenciais para o desenvolvimento da alfabetização, pois ajudam as crianças a estabelecerem as bases para a leitura e a escrita. O conhecimento dos sons da língua, sua produção e combinação facilita a compreensão das palavras, a escrita correta e o desenvolvimento de uma leitura fluente.
Como vimos, a fonoarticulação desempenha um papel fundamental no ensino dos fonemas. Ela se refere ao modo como os sons da fala são produzidos e organizados, incluindo a coordenação dos órgãos responsáveis pela produção da fala, como a língua, os lábios e a mandíbula. Durante a alfabetização, as crianças precisam associar os sons (fonemas) às letras (grafemas) e entender as regras de combinação desses sons para formar palavras. Esse processo envolve a capacidade de articular os sons corretamente, e o ensino explícito e sistemático é fundamental para a aquisição dessa competência.
Além disso, a fonoarticulação também contribui para a compreensão e a expressão oral. A clareza na fala auxilia na comunicação eficaz e na interação social, o que impacta positivamente a aprendizagem em outras áreas. A falta de uma articulação adequada pode levar a dificuldades de entendimento, interferindo na capacidade da criança de compreender o que é ensinado e de se comunicar com os outros.
Se observar que seus alunos ou filhos apresentam dificuldades na fala e na aprendizagem dos fonemas, é crucial encaminhá-los para avaliação com um fonoaudiólogo.
Que artigo repleto de informações novas para nós, pais e professores, não é mesmo? No entanto, é importante que tenhamos uma noção desses conceitos para aprimorar nossa prática de ensino, tornando-a mais eficaz e acessível a todos os alunos. Querido leitor, você já conhecia alguns desses termos? Os aplica em sala de aula? Ficarei muito feliz se puder compartilhar suas experiências com a prática pedagógica! Abraço!
Referências
BRASIL, PNA: Política Nacional de Alfabetização. Brasília: MEC, 2019.
DEHAENE, Stanislas. Os Neurônios da Leitura: Como a Ciência Explica a Nossa Capacidade de Ler. Porto Alegre: Penso, 2012.
SEARA, Izabel Christine Fonética e fonologia do português brasileiro : 2º período / Izabel Christine Seara, Vanessa Gonzaga Nunes, Cristiane Lazzarotto-Vol cão – Florianópolis: LLV/CCE/UFSC, 2011
SEABRA, Alessandra Gotuzo. CAPOVILLA, Fernando César. Alfabetização: método fônico. 6 ed. São Paulo: Memnon, 2021).