Nos dias de hoje, as telas se tornaram uma presença constante nas nossas vidas. Desde a televisão até os smartphones, a exposição às telas se estendeu até mesmo às crianças mais novas. No entanto, os pais e cuidadores muitas vezes se perguntam: como o uso de telas afeta o desenvolvimento de crianças de 0 a 3 anos? Este é um tema importante, pois o período de desenvolvimento infantil nessa faixa etária é crucial para o estabelecimento de habilidades cognitivas, emocionais e sociais.
Além de tudo, o uso descontrolado de telas pode conduzir a dependência (PEIXOTO et al., 2020).
Neste artigo, discutiremos os efeitos da exposição precoce às telas no desenvolvimento das crianças, destacando os impactos negativos, com base em pesquisas recentes.
1. O Desenvolvimento na Primeira Infância e o Uso de Telas
O desenvolvimento infantil nos primeiros anos de vida é fundamental para o crescimento saudável do cérebro. Nos primeiros três anos, conhecida como primeiríssima infância, o cérebro de uma criança cresce rapidamente, formando conexões neuronais que influenciam seu aprendizado e habilidades futuras. Esse período é conhecido como a “janela de oportunidades” para o desenvolvimento cognitivo e social. Durante esses anos, as crianças começam a desenvolver habilidades essenciais, como a linguagem, a percepção sensorial, a motricidade e a interação social (PAPAIA, 2022).
As interações diretas com os pais e cuidadores são essenciais durante essa fase, já que elas estimulam o desenvolvimento saudável. No entanto, o uso de telas, que muitas vezes é introduzido desde os primeiros meses de vida, pode ter um impacto significativo nesse desenvolvimento.
2. O Impacto da Exposição Precoce às Telas
Especialistas de todo mundo tem alertado que a exposição precoce às telas pode interferir em várias áreas do desenvolvimento infantil, principalmente em crianças de 0 a 3 anos. Os efeitos do uso excessivo de telas podem ser negativos para a saúde física e mental das crianças.
Desenvolvimento Cognitivo e Linguístico
O uso de telas pode prejudicar o desenvolvimento cognitivo das crianças pequenas. A interação com aparelhos digitais pode reduzir a quantidade de tempo que uma criança passa engajada em atividades que exigem pensamento ativo, como brincar, explorar o ambiente e interagir com outras pessoas (PEIXOTO et al., 2020). Essas atividades são cruciais para o desenvolvimento de habilidades cognitivas e linguísticas. Quando as crianças passam muito tempo assistindo à TV ou brincando com dispositivos digitais, elas perdem oportunidades de aprender de maneira ativa. Estudos apontam que assistir mais de uma hora de tela por dia, antes dos 2 anos, agrava o risco de atrasos no desenvolvimento de habilidades linguísticas e cognitivas (PEIXOTO, et al.)
A aquisição da linguagem, por exemplo, pode ser prejudicada, como acabamos de citar no parágrafo anterior, uma vez que as crianças aprendem a falar e a entender palavras mais facilmente quando estão em interação direta com os adultos, ao invés de simplesmente assistir a vídeos ou escutar falas de personagens.
Durante o processo de interação, tanto o adulto quanto a criança atuam como parceiros, sendo que as dinâmicas familiares são essenciais para o desenvolvimento da linguagem na criança. Ao direcionar sua atenção e ouvir a criança, o cuidador a convida a ocupar uma posição de interlocutor, transformando-a em uma destinatária de suas falas, tornando-a um ser apto a ouvir o outro e a ser ouvido por ele (BRASIL, 2016).
A estimulação da linguagem deve ocorrer nas atividades de vida diária, através do brincar, da leitura de uma história; na hora das refeições, banho. Vale destacar que a estimulação deve acontecer de forma lúdica.
Porém, nós, professores, estamos vendo no dia a dia, crianças com atraso no desenvolvimento da linguagem. Especialistas apontam que crianças que têm contato excessivo com telas podem demorar mais para começar a falar, além de apresentar vocabulário reduzido e dificuldade de comunicação, leia essa matéria da Faculdade Federal de Minas Gerais, clique aqui.
Pesquisas revelam que o uso de telas tem apresentado danos nas funções neuropsicológicas, incluindo atenção, memória, linguagem e funções executivas, além de prejuízos em áreas sociais, emocionais e comportamentais. Prejuízos que irão refletir por toda a vida (PEIXOTO, et al., 2020).
Problemas Atencionais e Comportamentais

Outro efeito importante da exposição às telas durante os primeiros anos de vida é o impacto no comportamento e na capacidade de atenção das crianças. Estudo após estudo tem mostrado que o uso excessivo de telas pode levar a dificuldades de concentração, impulsividade e problemas comportamentais. Crianças que são expostas a conteúdos digitais em excesso podem apresentar sinais de hiperatividade, ansiedade e dificuldades em manter o foco nas tarefas.
Uma pesquisa realizada a longo prazo nos Estados Unidos apontou que o número diário de horas em frente a telas, como a televisão, de crianças entre 1 e 3 anos, resultará em dificuldades atencionais aos 7 anos de idade (PEIXOTO, et al, 2020).
O uso de telas cria uma estimulação constante, com mudanças rápidas de imagem e sons, o que pode alterar o ritmo do desenvolvimento cerebral da criança. O cérebro se acostuma a essa estimulação rápida e pode ter dificuldades para se concentrar em atividades que exigem paciência, como brincar com brinquedos ou escutar uma história.
Impacto nas Habilidades Sociais
O uso excessivo de telas também pode afetar o desenvolvimento social das crianças, como diminuição de competências sociais e limitações na interações sociais. Nessa faixa etária, é crucial que as crianças aprendam habilidades sociais, como compartilhar, cooperar e entender as emoções dos outros. As interações sociais face a face são fundamentais para o aprendizado dessas habilidades. Quando uma criança passa mais tempo em frente à tela, ela tem menos oportunidade de praticar essas habilidades com outros seres humanos. Isso pode resultar em dificuldades no relacionamento social à medida que a criança cresce.
Escrevi alguns artigos sobre temperamento infantil, e observo na minha prática profissional e também como mãe, que crianças com temperamento introspectivo, como as fleumáticas e melancólicas, tendem a apresentar certas dificuldades em situações que exigem habilidades sociais. O uso de telas por essas crianças pode ser ainda mais prejudicial. Se quiser saber mais sobre temperamento infantil, clique aqui!
Além disso, a exposição a conteúdos inapropriados ou violentos pode afetar a maneira como as crianças percebem o mundo ao seu redor e como interagem com as pessoas. A falta de interação social real pode fazer com que as crianças tenham dificuldade em estabelecer conexões emocionais saudáveis com os outros.
Quantas vezes vemos, no shopping ou até em casa, crianças imersas no uso de celulares ou tablets, muitas vezes navegando no YouTube sem restrições de idade?
Na minha experiência como mãe, ensino à minha filha, desde muito cedo (hoje ela tem 5 anos), que celular é ‘coisa de adulto’. No entanto, cada família é responsável pelos seus filhos e toma as decisões que julgar mais cabíveis.
Problemas Físicos

O tempo excessivo em frente às telas também pode causar problemas físicos, como dificuldades na visão, obesidade e distúrbios no sono. O tempo sedentário associado ao uso de dispositivos digitais pode contribuir para o aumento do peso corporal, uma vez que as crianças deixam de se envolver em atividades físicas, como correr ou brincar ao ar livre.
Além disso, o uso de telas, especialmente antes de dormir, pode interferir na qualidade do sono. A luz azul emitida pelos dispositivos digitais pode prejudicar a produção de melatonina, o hormônio responsável por regular o sono. Como resultado, as crianças podem ter dificuldades para adormecer e, consequentemente, apresentar distúrbios no sono que afetam sua saúde e bem-estar geral (LEITE et al., 2022).
Verificou-se que, durante a pandemia, devido à baixa exposição ao ar livre e ao excesso de uso de telas, essas crianças têm alta probabilidade de desenvolver problemas de visão, como a miopia, principalmente devido à irradiação da luz azul-violeta emitida pelos dispositivos eletrônicos (LEITE et al., 2022).
3. Diretrizes e Recomendações para o Uso de Telas
As diretrizes da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) sobre o uso de telas por crianças enfatizam a necessidade de moderação, supervisão e uso consciente de dispositivos digitais, considerando os potenciais impactos no desenvolvimento físico, emocional e social da criança, como temos visto amplamente nesse artigo. Abaixo, um resumo das principais recomendações:
Evitar telas em crianças menores de 2 anos
Motivo: nessa faixa etária, o cérebro está em maturação, e as interações humanas são fundamentais para a construção de habilidades cognitivas, linguísticas e socioemocionais.
Riscos: exposição precoce pode prejudicar o desenvolvimento da linguagem e o estabelecimento de vínculos sociais.
Limitação de tempo de telas para crianças de 2 a 5 anos
Recomendação: no máximo 1 hora por dia de uso de telas, com conteúdo de qualidade e supervisão constante responsáveis.
Objetivo: promover experiências educativas e interativas com outras crianças.
Supervisão para crianças de 6 a 10 anos
Recomendação: estabelecer limites claros de tempo (até 2 horas por dia) e priorizar conteúdos educativos.
Importância: as telas não devem substituir atividades físicas, brincadeiras ao ar livre e interações familiares.
Educação digital para pré-adolescentes e adolescentes
Faixa etária: de 11 a 18 anos (entre 2 e 3 horas por dia)
Foco: estimular o uso responsável, com ênfase em segurança digital, prevenção de cyberbullying e evitar acesso a conteúdos inadequados.
Impacto na saúde
Sono: evitar o uso de telas pelo menos 1 hora antes de dormir para prevenir distúrbios do sono, devido a emissão da luz que inibe a produção de melatonina.
Sedentarismo: equilibrar o tempo de tela (conforme indicado acima) com atividades físicas regulares.
Saúde mental: observar sinais de dependência, isolamento social ou sintomas de ansiedade e depressão. Caso observe alguns desses sinais, procure ajuda profissional.
Papel dos pais e cuidadores
Modelagem comportamental: evitar o uso excessivo de telas na presença das crianças, somos exemplos.
Interação ativa: participar do consumo de mídia, conversando sobre o conteúdo.
Regras claras: estabelecer horários, locais livres de telas (como durante refeições e no quarto) e propor alternativas para entretenimento.
Escolha de conteúdos
Critério: priorizar aplicativos e programas que promovam aprendizado, criatividade e interação familiar.
Publicidade: estar atento a propagandas direcionadas, especialmente para crianças menores.
4. Conclusão
O uso de telas afeta negativamente o desenvolvimento de crianças de 0 a 3 anos, visto que o cérebro está em desenvolvimento. A exposição excessiva a dispositivos digitais pode prejudicar fatores cognitivos, linguísticos, sociais e físicos das crianças.
Os pais e cuidadores desempenham um papel fundamental na regulação do uso de telas, garantindo que as crianças tenham uma infância equilibrada, rica em experiências de aprendizado e interação social, fundamentais para o seu desenvolvimento saudável. A chave para um uso saudável das telas é o equilíbrio e a conscientização dos pais sobre os efeitos a longo prazo que essas tecnologias podem ter na vida de seus filhos. Atente-se para o tempo indicado pela Sociedade Brasileira de Pediatria.
Referências
BRASIL, Ministério da Saúde. Diretrizes de estimulação precoce: crianças de zero a três anos com atraso no desenvolvimento neuropsicomotor. Brasília, 2016.
LEITE, Noely de Carvalho; FERREIRA FILHO, Marcio Adriano Gomes; COSTA, Danillo de Santana; SOUZA, Samuel Henrique Silva; SILVA, Nayá Pinto de Rezende Nobre da; OLIVEIRA, Tauan de; MORAIS, Augusto Ulhoa Florêncio de. Relação entre miopia em crianças e exposição a eletrônicos durante a pandemia de COVID-19. Research, Society and Development, v. 11, n. 6, 2022.
PAPAIA, Daiane. MARTOREL, Gabriela. Desenvolvimento Humano. 14 edição. Porto Alegre: Artmed, 2022.
PEIXOTO, M. J. R., Cassel, P. A., & Bredemeier, J. (2020). Implicações neuropsicológicas e comportamentais na infância e adolescência a partir do uso de telas. Research, Society and Development, 9(9), e772997188-e772997188.
PERTENCE, Lígia. Uso excessivo de telas na infância pode causar atraso de fala. Faculdade de Medicina da UFMG. 02 jan. 2023. Disponível em: https://www.medicina.ufmg.br/uso-excessivo-de-telas-na-infancia-pode-causar-atraso-de-fala. Acesso em: 04 jan. 2025.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Saúde de Crianças e Adolescentes na Era Digital, Manual de Orientação, 2016.
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