A leitura em voz alta é uma prática pedagógica essencial para o desenvolvimento da alfabetização, especialmente nos primeiros anos de escolaridade. Apesar de sua relevância, essa estratégia tem sido negligenciada em muitas salas de aula, o que pode comprometer o aprendizado das crianças.
Este artigo explora os benefícios da leitura em voz alta, os prejuízos causados por sua ausência e oferece orientações práticas para professores e famílias implementarem essa prática de forma eficaz no contexto da alfabetização, com foco em evidências científicas e estratégias aplicáveis.
Por que a leitura em voz alta é tão importante?
A leitura em voz alta, realizada por professores ou pais, desempenha um papel fundamental no desenvolvimento da linguagem e das habilidades de leitura. Quando uma criança ouve um adulto ler um texto com entonação, ritmo e expressividade, ela é exposta a uma rica gama de elementos linguísticos, como vocabulário diversificado, estruturas gramaticais complexas e padrões de discurso. Esses elementos são essenciais para a construção de uma base sólida para a alfabetização (BRASIL, 2019)1.
Além disso, a leitura em voz alta estimula o desenvolvimento da consciência fonológica, que é a capacidade de reconhecer e manipular os sons da fala. Essa habilidade é um dos pilares da alfabetização, pois permite que as crianças conectem sons às letras e decodifiquem palavras escritas. Por exemplo, ao ouvir uma história lida em voz alta, a criança pode perceber rimas, aliterações e a segmentação de palavras em sílabas, o que facilita o aprendizado da leitura e da escrita (ADAMS, 2012)2.
Outro benefício significativo é o estímulo à compreensão de texto. Durante a leitura em voz alta, o professor pode pausar para explicar palavras novas, fazer perguntas sobre a narrativa ou conectar o conteúdo à realidade da criança. Essa troca estimula o pensamento crítico e desenvolve a interpretação de informações, competências essenciais para o sucesso escolar.
Os prejuízos da falta da leitura em voz alta3
A falta de leitura em voz alta na sala de aula pode gerar consequências negativas para o desenvolvimento das crianças. Um dos principais prejuízos é a limitação no desenvolvimento do vocabulário. Crianças que não são expostas regularmente a textos lidos em voz alta tendem a ter um repertório lexical mais restrito, o que pode dificultar a compreensão de textos e a expressão de ideias.
Outro impacto importante está relacionado à motivação para a leitura. Quando a leitura em voz alta é feita de maneira cativante, ela desperta o fascínio das crianças pelos livros e pelas histórias. Por outro lado, a ausência dessa prática pode fazer com que as crianças percebam a leitura como uma tarefa monótona ou difícil, reduzindo seu engajamento com a aprendizagem.
Além disso, a falta de exposição a modelos de leitura fluida pode dificultar o desenvolvimento da fluência leitora. A fluência é a capacidade de ler com precisão, velocidade e expressividade, e ela é diretamente influenciada pela observação de leitores experientes. Sem a leitura em voz alta, as crianças podem ter mais dificuldade para desenvolver essa habilidade, o que impacta diretamente sua capacidade de compreender textos mais complexos.
Estudos apontam que crianças que não participam de atividades de leitura em voz alta regularmente podem apresentar atrasos no desenvolvimento da alfabetização. Isso é particularmente preocupante em contextos socioeconomicamente desfavorecidos, onde o acesso a livros e a estímulos linguísticos pode ser limitado fora do ambiente escolar. Nessas situações, a escola desempenha um papel ainda mais importante na promoção da leitura em voz alta como uma ferramenta de equidade educacional.
Como realizar a leitura em voz alta na sala de aula

Para que a leitura em voz alta seja eficaz, é importante que os professores a incorporem de maneira intencional e estruturada no planejamento pedagógico. A seguir, compartilhamos estratégias práticas, respaldadas por evidências, para aplicar essa prática de forma eficaz:
1. Escolha textos apropriados
Selecionar livros ou textos adequados à faixa etária e ao nível de desenvolvimento das crianças é essencial. Histórias com narrativas envolventes, linguagem rica e ilustrações atraentes são ideais para captar a atenção dos alunos. Além disso, é importante variar os gêneros textuais, incluindo contos, poemas, fábulas e textos informativos, para ampliar o repertório das crianças.
Escrevi um artigo recomendando alguns livros que amamos ler aqui em casa e também na escola. Eles são indicados para crianças a partir de 4 anos, mas nada impede que sejam lidos para crianças mais novas, clique aqui!
2. Leia com expressividade
A maneira como o texto é lido faz toda a diferença. O professor deve usar entonação, pausas e variações de tom para dar vida à história. Por exemplo, ao ler um diálogo entre personagens, pode-se usar vozes diferentes para cada um, tornando a experiência mais dinâmica e divertida. Além de manter as crianças envolvidas, essa abordagem também ensina a leitura fluída e expressiva.
3. Promova a interação
A leitura em voz alta deve ser uma atividade que promova a interação. Antes de começar, o professor pode fazer perguntas para ativar o conhecimento prévio dos alunos, como: “O que vocês acham que vai acontecer nessa história?” Durante a leitura, pausas para discutir o enredo ou esclarecer vocabulário ajudam a manter o envolvimento. Após a leitura, atividades como debates, desenhos ou reconto da história reforçam a compreensão.
Vale ressaltar a importância do reconto, essa prática estimula a memória fonológica, habilidade pilar para o aprendizado da leitura.
4. Estabeleça uma rotina
A consistência é fundamental. Incorporar a leitura em voz alta como parte da rotina diária ou semanal garante que as crianças sejam regularmente expostas a essa prática. Mesmo curtos períodos de tempo, como de 10 a 15 minutos, trazem muitos benefícios se realizados com frequência.
5. Envolva as famílias

Os benefícios da leitura em voz alta não fica restrito à sala de aula. Os professores podem incentivar as famílias a adotarem essa prática em casa, fornecendo orientações simples, como ler um livro antes de dormir ou discutir uma história durante o jantar.
Na sala de aula onde sou professora, estamos com o projeto ‘Leitura em Casa’. Toda sexta-feira, um aluno leva uma bolsinha com um livro para ler com a família. Junto ao livro, enviamos uma folha com um questionário simples, com perguntas sobre o livro, como: “Qual parte da história vocês mais gostaram?” e “Quais personagens chamaram mais a atenção?”.
Os diversos benefícios da leitura em voz alta
A leitura em voz alta também é uma ferramenta poderosa para promover a inclusão. Crianças com dificuldades ou transtornos de aprendizagem, como a dislexia, ou que estão aprendendo o idioma da escola como segunda língua, podem se beneficiar significativamente dessa prática. A exposição a textos lidos por um adulto permite que essas crianças acessem conteúdos que talvez não conseguissem ler sozinhas, além de apoiar o desenvolvimento da confiança e da autoestima.
Além disso, a leitura em voz alta cria um ambiente de aprendizado colaborativo, no qual todas as crianças, independentemente de suas habilidades, podem participar ativamente. Atividades como dramatizações ou reconto coletivo após a leitura ajudam a valorizar as contribuições de cada aluno, fortalecendo o senso de pertencimento.
Conclusão

A leitura em voz alta é muito mais do que uma atividade prazerosa: é uma estratégia pedagógica baseada em evidências que promove o desenvolvimento linguístico, cognitivo e socioemocional das crianças. Sua ausência na sala de aula pode limitar o progresso na alfabetização, especialmente para crianças que dependem da escola como principal fonte de estímulo linguístico. Por outro lado, quando implementada de forma intencional e consistente, a leitura em voz alta pode transformar a experiência de aprendizado, tornando-a mais rica, inclusiva e motivadora.
Para professores, assim como eu, a mensagem é clara: dediquem tempo para ler em voz alta, escolham textos que inspirem e usem a leitura como uma oportunidade para conectar-se com os alunos. Para as famílias, o convite é igualmente importante: façam da leitura em voz alta um momento especial de vínculo e aprendizado. Juntos, escola e família podem garantir que as crianças desenvolvam não apenas as habilidades de leitura e escrita, mas também o amor pelos livros e pelo conhecimento.
Que tal começar hoje mesmo a transformar a alfabetização das crianças com o poder das palavras lidas em voz alta?
Referências
- BRASIL, PNA: política nacional de alfabetização. Brasília: MEC, 2019. ↩︎
- ADAMS, Marilyn Jager. FOORMAN, Barbara R. LUNDBERG, Ingvar. BEERLEE, Terri. Consciência fonológica em crianças pequenas. Porto Alegre: Artmed, 2012 ↩︎
- LEMOS, Simone. Falta de leitura em voz alta na sala de aula causa prejuízos na alfabetização. Jornal da USP, São Paulo, Nov 2024. Disponível em: https://jornal.usp.br/atualidades/falta-de-leitura-em-voz-alta-na-sala-de-aula-causa-prejuizos-na-alfabetizacao/. Acesso em: 18 abr. 2025.
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