A alfabetização abre portas para o conhecimento e a comunicação. No entanto, uma dúvida comum entre pais e educadores é: qual habilidade vem primeiro, a leitura ou a escrita? Neste artigo, vamos explorar a ordem correta na alfabetização e entender como essas habilidades se complementam.
Definição de Leitura e Escrita
Ler é a habilidade de extrair a pronúncia e o significado de uma palavra a partir de símbolos escritos. Ler envolve, primeiramente, a habilidade de reconhecer uma palavra. O objetivo da leitura é a compreensão do texto. Já a finalidade da alfabetização é auxiliar as crianças a entenderem o que leem e a desenvolverem estratégias para ler de forma independente (CAPOVILLA, 2005).
Ou seja, aprender a ler envolve, essencialmente, desenvolver habilidades para decodificar palavras. De forma simplificada, o processo de aprender a ler é composto por uma série de competências que incluem o reconhecimento de palavras escritas, além da decodificação e do agrupamento fonológico. Com o tempo e a prática, a habilidade de decodificar se torna mais eficiente, e o vocabulário ortográfico se expande, facilitando o reconhecimento imediato da grafia das palavras.
Essa definição se baseia no fato de que as correspondências entre grafemas e fonemas são fundamentais no código alfabético. A essência, e não o objetivo final, de aprender a ler está em traduzir letras (seja impressas ou escritas) em sons que tenham significado. Assim, a decodificação fonológica (ou seja, transformar sons em letras para escrever e letras em sons para ler) é o núcleo do conceito de alfabetização. No entanto, isso não esgota seu propósito: o objetivo maior da leitura é permitir que o leitor compreenda, interprete, modifique e interaja com o texto (CAPOVILLA, 2005).
Escrever envolve a habilidade de representar sons por meio dos sinais gráficos correspondentes – os morfemas. Apenas nos estágios mais avançados da alfabetização é que é possível escrever uma palavra com base no reconhecimento preciso de sua grafia, sem a necessidade de focar nos fonemas.
Estudos sobre a escrita e os métodos de ensino dessa habilidade são consideravelmente menos avançados do que as pesquisas sobre leitura. Escrever é uma tarefa mais desafiadora do que ler, sendo necessário pelo menos um ano a mais de escolaridade para que o nível de escrita ortográfica de um aluno recém-alfabetizado se iguale às suas habilidades de leitura. A escrita é uma habilidade mais complexa e envolve uma quantidade maior de irregularidades (SCLIAR-CABRAL, 2003 apud CAPOVILLA, 2005).
Habilidades Necessárias para a Leitura: Uma Perspectiva com Base no NELP e NRP
A leitura envolve uma série de habilidades cognitivas e linguísticas. Para compreender como as crianças desenvolvem essa competência, é essencial compreender as teorias e pesquisas que embasam a prática pedagógica, como o NELP (National Early Literacy Panel) e o NRP (National Reading Panel). Estes estudos fornecem diretrizes claras sobre as habilidades necessárias para a leitura e como desenvolvê-las de maneira eficaz.
O que é o NELP e o NRP?
O NELP (2009), que surgiu a partir de uma análise profunda das pesquisas científicas sobre alfabetização, visa identificar os fatores que contribuem para o desenvolvimento precoce da leitura. Já o NRP (2000), um painel de especialistas em educação, foi criado para investigar as práticas de ensino da leitura e estabelecer as melhores estratégias para melhorar o desempenho dos estudantes em leitura, com ênfase em evidências científicas.
Ambos os painéis concordam em muitos aspectos, especialmente na identificação das habilidades essenciais para a leitura, que incluem o a consciência fonológica, o vocabulário, a fluência e a compreensão.
Consciência Fonológica
A consciência fonológica é uma das habilidades mais importantes para a leitura, especialmente no início da alfabetização. Ela refere-se à capacidade de perceber e manipular os sons da fala, como as sílabas e fonemas. O NELP identificou que a consciência fonológica tem um papel fundamental no desenvolvimento da leitura, pois ela facilita o processo de decodificação, ou seja, a habilidade de associar os sons às letras.
O NRP, em suas recomendações, reforça que a instrução sistemática e explícita na consciência fonológica pode ser extremamente eficaz para o aprendizado de crianças, principalmente as mais novas. Isso pode ser feito por meio de atividades que envolvem rimas, segmentação de palavras e identificação de sons iniciais, por exemplo.
Vocabulário
O vocabulário é outro fator determinante no sucesso da leitura. Crianças com um vocabulário mais amplo têm maior facilidade para compreender o que leem. O NELP e o NRP destacam que o vocabulário deve ser expandido tanto no contexto oral quanto escrito, com ênfase na compreensão de palavras no contexto.
Para desenvolver o vocabulário, é fundamental expor as crianças a uma variedade de palavras e contextos. Ler livros variados, conversar sobre diferentes temas e fazer perguntas sobre o conteúdo lido são práticas recomendadas para enriquecer o vocabulário e melhorar a compreensão da leitura.
Fluência
A fluência na leitura é a habilidade de ler com precisão, velocidade e expressão. Ela é um reflexo do domínio das habilidades de decodificação e reconhecimento de palavras, mas também envolve a capacidade de ler de forma expressiva, com entonação e ritmo adequados. O NRP identifica a fluência como um elemento crucial para a compreensão da leitura, pois leitores fluentes têm mais facilidade em manter o foco no significado do texto, sem a distração de tentar decodificar as palavras.
A prática repetida, a leitura em voz alta e a leitura acompanhada por um modelo fluente são maneiras eficazes de promover a fluência, de acordo com as diretrizes dos dois painéis.
Compreensão de Leitura
A compreensão da leitura é a habilidade de entender e interpretar o que foi lido. É uma habilidade complexa que depende da interação entre a decodificação, o vocabulário e a fluência. O NELP enfatiza que a compreensão da leitura não é apenas uma questão de entender as palavras individualmente, mas de captar o significado global do texto, inferindo informações e conectando ideias.
Para melhorar a compreensão, os pesquisadores do NRP recomendam práticas como a leitura dialogada, onde o leitor é incentivado a fazer previsões, formular perguntas e discutir o texto. Essas estratégias ajudam a construir uma compreensão mais profunda e crítica do que está sendo lido.
Habilidades Necessárias para a Escrita: Fundamentos para o Desenvolvimento da Competência Escrita
A escrita é uma habilidade fundamental no desenvolvimento de uma criança, sendo essencial para sua expressão, comunicação e aprendizado. Para que uma criança seja capaz de escrever com clareza e coesão, uma série de habilidades precisam ser adquiridas de forma progressiva.
A forma correta de escrever está intrinsicamente ligada à aquisição de fundamentos mais simples, como a caligrafia e os aspectos “mecânicos” da língua. Isso abrange itens como a pontuação, o uso de letras maiúsculas e minúsculas e, no contexto da língua portuguesa, a acentuação. A caligrafia, por sua vez, desempenha um papel crucial no desenvolvimento da fluência na escrita, permitindo que a criança concentre sua atenção no conteúdo, além de garantir a legibilidade, que é essencial para a eficácia da comunicação. É importante notar que o aprendizado para escrever corretamente as letras do alfabeto exige observação, controle e coordenação motora.
As crianças são apresentadas a diversas formas e tamanhos de letras. A prática de estilos específicos de escrita, especialmente a escrita cursiva, demanda bastante exercício, e isso envolve a compreensão de vários conceitos que regem o sistema de escrita, conforme descrito por Sassoon (1990 apud CAPOVILLA, 2005):
Direção: da esquerda para a direita, e de cima para baixo (no que se refere ao alfabeto latino).
Movimento: as letras apresentam movimentos específicos, que determinam seu ponto de início e fim.
Altura: existem variações na altura entre as letras.
Discriminação: algumas letras são bastante semelhantes, se assemelhando a outras (como p/q, b/d,n/u, m/w,) e devem ser ensinadas com atenção especial.
O uso de letras maiúsculas e minúsculas ocorre de maneira distinta.
É fundamental usar os espaços de maneira consistente entre letras e palavras.
Conforme o aluno se torna capaz de soletrar e escrever a palavra de forma correta, automática e fluente, sua atenção e habilidades cognitivas podem ser direcionadas para outras atividades relacionadas ao ato de escrever.
A capacidade de soletrar e escrever palavras corretamente envolve o desenvolvimento de habilidades que englobam a caligrafia, a transcrição fono-grafológica, além do conhecimento prático sobre normas ortográficas e outras regras pertinentes.
A Leitura como Base da Escrita
Como vimos, a leitura, mais do que uma habilidade isolada, é a base da escrita. Ao dominá-la, a criança estabelece a estrutura necessária para criar, organizar e expressar seus pensamentos por meio da escrita.
A leitura desempenha um papel fundamental no auxílio à criança na construção do conhecimento ortográfico necessário para escrever de forma correta (CAPOVILLA, 2005).
Orientações para Pais e Educadores
- Incentive a leitura desde a primeira infância, lendo histórias e explorando livros com a criança.
- Crie um ambiente rico em linguagem escrita, com livros, revistas e outros materiais impressos.
- Respeite o ritmo individual de cada criança, oferecendo apoio e incentivo ao longo do processo de alfabetização.
Ao compreender a ordem correta na alfabetização e incentivar a leitura e a escrita de forma integrada, pais e educadores podem contribuir para o desenvolvimento de crianças leitoras e escritoras competentes e confiantes.
Conclusão
Em resumo, a ordem correta no processo de alfabetização segue uma sequência indicada: primeiro se aprende a ler e, posteriormente, a escrever. A leitura é a base inicial, pois envolve a decodificação de palavras e a compreensão do significado, atividades que podem ser desenvolvidas com um foco maior na percepção cognitiva. Já a escrita requer habilidades mais complexas, tanto cognitivas quanto motoras, como a coordenação motora fina para a formação das letras e a aplicação das regras ortográficas.
Por esse motivo, é fundamental que, inicialmente, as crianças se concentrem no aprendizado da leitura, para, em seguida, consolidar a escrita, utilizando as habilidades adquiridas na leitura para estruturar suas próprias produções escritas. Com esse entendimento, pais e educadores podem oferecer um suporte mais eficaz, respeitando o ritmo de desenvolvimento de cada criança e promovendo uma alfabetização mais sólida e integrada.
* Querido leitor, como vimos ao longo do artigo, a leitura precede a escrita. No entanto, durante o aprendizado da leitura, é possível propor atividades que estimulem também o aprendizado da escrita. Recomendo sempre começar pelas letras maiúsculas de bastão, pois elas são mais simples e facilmente reconhecíveis.
Uma excelente maneira de introduzir as letras é por meio de atividades lúdicas, como a escrita no ar, no quadro, com massinha ou até mesmo com os dedos na areia. Essas atividades permitem que a criança desenvolva a coordenação motora fina, enquanto se diverte no processo de aprendizagem. Grande abraço!
REFERÊNCIAS
CAPOVILLA, Fernando César. Os novos caminhos da alfabetização infantil: relatório encomendado pela Câmara dos Deputados ao Painel Internacional de Especialistas em Alfabetização Infantil. São Paulo: Memnon, 2005.
INTERNATIONAL READING ASSOCIATION; NATIONAL ASSOCIATION FOR THE EDUCATION OF YOUNG CHILDREN. Learning to read and write: developmentally appropriate practices for young children. Maio 1998. Disponível em: https://www.readingrockets.org/topics/early-literacy-development/articles/learning-read-and-write-what-research-reveals. Acesso em: 22 fev. 2025.
NATIONAL EARLY LITERACY PANEL. Developing Early Literacy: Report of the National Early Literacy Panel. A Scientific Synthesis of Early Literacy Development and Implications for Intervention. Washington: National Institute for Literacy, 2009.
NATIONAL READING PANEL. Teaching Children to Read: An Evidence-Based Assessment of the Scientific Research Literature on Reading and Its Implications for Reading Instruction. Rockville: NIH Publication, 2000.
