O desenvolvimento infantil é um tema cercado por mitos e crenças populares que, muitas vezes, não têm embasamento científico. Esses mitos podem influenciar decisões importantes na educação e criação das crianças, levando a práticas que não favorecem seu crescimento. Neste artigo, vamos desmistificar 3 crenças comuns sobre o desenvolvimento infantil, com base na ciência, e mostrar como evitar erros ao acompanhar o crescimento dos pequenos de 0 a 3 anos.
Mito 1: Bebês Não Brincam
Vamos explorar este mito com base nos dados de Maria Alice Proença, doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.1
A dificuldade em compreender as expressões, os choros e os sons emitidos pelos bebês gerou, ao longo do tempo, crenças erradas sobre esse período. A crença de que os pequenos não se comunicam, não brincam e que segurar muito nos braços é prejudicial ao bebê são apenas alguns dos mitos amplamente divulgados, mas que foram refutados por profissionais do desenvolvimento infantil.
Um dos primeiros mitos que foram desmentidos é a afirmação de que “bebês não se comunicam”. Desde as décadas de 1950/1960, as observações demonstram que os recém-nascidos têm um forte desejo de explorar tudo ao seu redor. Os bebês começam a se expressar fisicamente e nosso maior desafio é aprender a interpretar essas expressões corporais, algo para o qual até mesmo os educadores não foram capacitados durante sua formação na universidade.
Segundo a teoria de Henri Wallon, o corpo se comunica. Através dessa linguagem corporal, percebemos que o primeiro “brinquedo” do bebê é seu próprio corpo. Os pequenos pezinhos, mãos e os movimentos que realiza para explorar vão construindo a consciência do seu próprio corpo e estabelecendo sua presença no mundo.
Mito 2: Carregar o Bebê no Colo o Tempo Todo o Deixa Mimado

Carregar um bebê no colo sempre que ele deseja não o torna mimado, mas, sim, seguro e emocionalmente saudável. O conceito de que segurar um bebê constantemente pode estragá-lo é um mito amplamente difundido, mas sem base científica. Pelo contrário, estudos na área do desenvolvimento infantil demonstram que a proximidade física entre o cuidador e o bebê fortalece o vínculo afetivo, promove segurança emocional e contribui para o desenvolvimento neurológico da criança.
Nos primeiros meses de vida, o bebê depende totalmente dos adultos para atender às suas necessidades básicas, incluindo alimentação, conforto emocional e uma sensação de segurança, sendo o colo um dos principais meios de suprir tais necessidades. O choro é sua principal forma de comunicação, e ignorá-lo sob a crença de que ele precisa aprender a se acalmar sozinho pode gerar estresse desnecessário. Quando um bebê é atendido prontamente e recebe colo sempre que precisa, ele desenvolve uma sensação de confiança e previsibilidade no mundo ao seu redor. Esse vínculo seguro favorece a independência no futuro, pois a criança aprende que pode explorar o ambiente com segurança, sabendo que seus cuidadores estarão disponíveis quando necessário.
Do ponto de vista biológico, o contato físico constante é essencial para o desenvolvimento do sistema nervoso. O toque, o calor do corpo e a voz dos pais regulam os batimentos cardíacos do bebê, estabilizam sua respiração e promovem a liberação de ocitocina, o hormônio do apego. Além disso, bebês que recebem mais colo e atenção tendem a chorar menos ao longo do tempo, pois aprendem a confiar que suas necessidades serão atendidas.
A ideia de que dar colo “demais” pode tornar o bebê dependente desconsidera a forma como os laços afetivos se constroem. Nos primeiros anos de vida, a presença constante dos cuidadores não cria uma criança mimada, mas uma criança emocionalmente forte, com habilidades sociais mais desenvolvidas. A longo prazo, aqueles que crescem em um ambiente de afeto e acolhimento demonstram mais segurança para enfrentar desafios, pois internalizam a confiança em si mesmos e no mundo.
O mito de que o colo excessivo estraga o bebê provavelmente tem raízes em crenças culturais que valorizam a independência precoce da criança. No entanto, a ciência do desenvolvimento humano aponta em outra direção: o contato próximo nos primeiros meses não é um excesso, mas uma necessidade. Atender ao choro e às demandas de contato físico do bebê não significa ceder a caprichos, mas sim responder a uma necessidade legítima de conforto e proteção. O colo, longe de mimar, constrói uma base sólida para um desenvolvimento emocional saudável e seguro.
Mito 3: O Hábito de Chupar Dedo e/ou Chupeta Não Causa Prejuízos para os Bebês

Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria no relatório “Uso de chupeta em crianças amamentadas: prós e contras“2, não há uma única diretriz sobre o uso de chupetas, principalmente em crianças que estão sendo amamentadas. De acordo com esse documento, vamos explorar os impactos deste mito.
Existem pesquisadores que buscam dados que sustentam a recomendação da Organização Mundial da Saúde, que aconselha a não oferecer chupetas e mamadeiras para crianças que estão sendo amamentadas. Uma revisão abrangente da literatura a respeito da perspectiva de diversos especialistas do desenvolvimento infantil sobre o uso de chupetas concluiu que esse hábito tende a causar diversos efeitos negativos. Por essa razão, é essencial compilar dados científicos sobre as consequências do uso de chupetas em relação aos diversos aspectos da saúde infantil e integrá-los no desenvolvimento de processos educativos. Isso visa capacitar os pais a tomarem decisões conscientes.
As repercussões do uso de chupeta na saúde das crianças estão bem documentadas na literatura científica. As principais evidências sobre os impactos negativos do uso da chupeta incluem: funções orais e amamentação; desenvolvimento dentário; otite média aguda; segurança química, física e imunológica; e hábitos orais na idade adulta.
- Funções orais e amamentação: a utilização de chupeta pode comprometer o adequado desenvolvimento do sistema estomatognático, mudando a postura e a tonicidade muscular, além de ocasionar deformidades esqueléticas na região da boca e do rosto.
- Sucção: ao utilizar a chupeta, acontece a chamada sucção não-nutritiva, onde o bebê pode passar períodos longos chupando sem receber alimento. Essa prática pode resultar em “saciedade neural” relacionada à sucção, fadiga muscular e falta de saciedade, além de alterar a configuração oral necessária para realizar esse tipo de movimento muscular – o que é diferente do ato de mamar, causando a “confusão de bicos”, a qual pode afetar negativamente a técnica de amamentação, a fisiologia da lactação e, em última análise, o tempo exclusivo da amamentação.
- Mastigação e deglutição: a mastigação é uma atividade complexa que se desenvolve ao longo da vida e pode ser influenciada por diversos fatores, incluindo a utilização de chupetas e o desmame precoce. A qualidade da mastigação está diretamente relacionada ao padrão de amamentação e ao histórico de uso de chupeta e mamadeira. Geralmente, esses casos apresentam alterações nas características normais da mastigação. Esse modo de mastigação alterado impacta as articulações temporomandibulares e o crescimento das estruturas envolvidas, podendo levar a uma deglutição fora do comum, com a língua posicionada de maneira inadequada e envolvimento da musculatura ao redor da boca.
- Respiração: a respiração pela boca é bastante comum na infância. Crianças que respiram pela boca tendem a apresentar alterações nas características posturais e na morfologia do sistema estomatognático, tornando o sistema respiratório mais suscetível a doenças. Estudos demonstram que a forma de respirar é impactada diretamente pela história de amamentação e pelo uso de bicos artificiais. O padrão respiratório tende a mudar de nasal (o ideal) para bucal em crianças que utilizam bicos. Por outro lado, a amamentação favorece a respiração nasal, o que contribui para um desenvolvimento craniofacial adequado.
- Fala e linguagem oral: O uso de chupetas pode afetar o desenvolvimento da linguagem oral (articulação de sons e fala), uma vez que esse objeto pode ficar na boca da criança por longos períodos, alterando a configuração natural da cavidade oral, além de restringir o balbucio, a imitação de sons e a produção de palavras, o que pode levar a uma vocalização alterada em alguns casos. Um estudo longitudinal revelou que o uso prolongado de chupetas afeta negativamente a aquisição e a produção dos sons na fala.
- Dentição: os dentes são submetidos a pressões exercidas pela musculatura facial e pela língua durante as funções do sistema estomatognático. Quando adequadas, essas pressões musculares promovem um efeito modelador; por outro lado, condições inadequadas podem resultar em alterações anatômicas e funcionais indesejadas. Todas as classificações que abordam a causa das maloclusões identificam o uso de chupetas como uma condição de risco. O hábito que persiste após os 3 anos de idade da criança eleva consideravelmente a chance de desenvolver características oclusais não desejadas. Os problemas mais comumente observados em crianças que usam chupetas incluem mordida aberta anterior e mordida cruzada posterior.
- Imunidade, segurança química e física: as chupetas são vistas como possíveis fontes de infecção, que podem prejudicar o sistema imunológico da criança. O seu uso está ligado a um aumento na frequência de doenças diarreicas e à mortalidade infantil, além de elevar a chance de internações hospitalares e eventos como respiração ruidosa, asma, dor no ouvido, vômitos, febre, diarreia, cólicas, aftas e candidíase oral.
- Otite Média Aguda: a otite média é definida pela aparição de líquido no ouvido médio. Durante a sucção da chupeta, não se exige o mesmo grau de organização e pressão negativa que ocorre na sucção do seio, não havendo o estímulo contínuo do músculo tensor do palato, que é fundamental para a abertura da tuba auditiva e que desempenha um papel considerável na prevenção de otites. Pesquisas indicam um aumento de 33% na ocorrência de otite média em crianças com menos de 18 meses que usam chupetas.
Adicionalmente, existe o risco de asfixia e estrangulamento resultantes de partes ou acessórios que se soltam das chupetas. Também há a possibilidade de ferimentos na mucosa oral ou na base do nariz se a criança cair enquanto tem a chupeta na boca.
- Vícios orais na fase adulta: comportamentos orais que não têm valor nutricional podem ser trocados por ações prejudiciais ao longo do tempo, como fumar, comer em excesso ou desenvolver outros tipos de compulsões. Um estudo recente apontou que o uso de chupeta por um período extenso (mais de dois anos) durante a infância pode aumentar as chances de começar a fumar na adolescência. Essa conexão pode ser entendida pelos mecanismos que levam à adoção dos hábitos de chupar chupeta e fumar, que são bastante parecidos: ambos funcionam como soluções externas normalmente utilizadas para promover relaxamento. Cuidadores costumam dizer que oferecem a chupeta para acalmar o bebê em momentos de nervosismo ou ansiedade; os fumantes mencionam razão semelhante ao relatarem seu hábito de fumar.
Conclusão

A compreensão do desenvolvimento infantil é fundamental para o cuidado adequado das crianças. Desmistificar esses mitos nos ajuda a tomar decisões mais informadas, promovendo o bem-estar físico, emocional e cognitivo dos pequenos. Ao adotar práticas baseadas em evidências científicas, podemos proporcionar um ambiente seguro e saudável para o desenvolvimento das futuras gerações.
Referências
- FEAC. Mitos e verdades sobre a Primeiríssima Infância. Fundação FEAC, 2023. Disponível em: https://feac.org.br/mitos-e-verdades-sobre-a-primeirissima-infancia/. Acesso em: 4 mar. 2025. ↩︎
- SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Uso de chupeta em crianças amamentadas: prós e contras. Guia Prático de Atualização, n. 3, ago. 2017. Departamento Científico de Aleitamento Materno. ↩︎